sábado, 2 de maio de 2020

O mundo que habita em nós (Liliane Prata)

"Qualquer não dá. Qualquer já é demais. Quanto ar inaceitável contém um 'qualquer' para um coração acostumado a bater menos oxigenado."

"é tão crucial parar um pouco e se debruçar sobre a questão, pelo menos uma vez na vida. Silenciar os ruídos lá fora, desligar o celular, respirar e ter o seu dentro." p.19

"Só falo em subjetividade, solidão e individualismo que aprendi a falar, porque observo, e tudo isso já me coloca irremediavelmente em relação estreita com o outro. Em vez de distanciamento entre nós eo outro, talvez faça mesmo mais sentido nos pensar como en charcados de proximidade." p. 26

"Às vezes, chamamos de indiferença o sentimento de impotência." p. 27

Como escreve na Ética, livro 1: "Diz-se livre o que existe exclusivamente pela necessidade da sua natureza e por si só é determinado a agir". Passividade, para o pensador holandês, significa ser determinado a existir, desejar, pensar com base nas imagens exteriores que operam como causa de nossos apetites e desejos. 33

estamos nos reconhecendo na nossa própria vida e enxergando a graça de viver, ou se estamos cada vez mais alienados de nós mesmos, como atores que se confundiram com o papel que interpretam. 35

Esse esquecimento, ou esse trancamen to mental, gera um vazio. Gera tédio. Angústia. Sensação de que estar aqui não vale a pena. Afinal, mal sentimos que existe um "aqui" para se estar: em vez de estar no mundo, estamos presos à nossa cabeça - aos nossos anseios e às nossas expectativas, àquela fixação de sermos diferentes de quem somos e de que o outro e a vida sejam dife rentes do que são. 38

As lentes que usamos para en xergar o mundo vão moldando este mundo aos nossos olhos, a ponto de nos esquecermos de que estamos usando lentes. 40

essa tradução não passa de uma versão do seu sentimento, a "versão comunicável". Seu sentimento é muito mais amplo, mais vívido, mais selvagem -só parte dele se domestica em frases. 41

a arte abre um novo campo semântico, como se melhorasse a qualidade dessa "tradução do mundo". É nesse sentido que o escritor alemão Novalis escreveu: "Quanto mais poético, mais verdadeiro") 41

O mundo se transforma, assim, num lugar cada vez mais ameaçador: o lugar que não me dá as coisas que eu quero. Um lugar que me assusta. O outro também não me dá o que eu quero. O outro me assusta. Então me desestabilizo cada vez mais com a possibilidade de entrar em contato com o mundo e com o outro. Entro em pânico não com uma dor do mundo, mas com a mera possibilidade de uma dor. Entro em pânico não com uma explosão, mas com o simples fato de imaginar uma explosão. Vivo com medo. E guiando minha vida por esse medo. 48

a filósofa alemã Hannah Arendt escreve que o apagamento da linha divisória entre verdade factual e opinião é uma das inúmeras formas que a mentira pode assumir. 51

Para estarmos no mundo, precisamos perceber o mundo, e, para isso, precisamos nos libertar dessa fixação por nossos anseios, nossos desejos, nossos planos. 52

Lin Yutang escreve em A importância de se viver que as pessoas que têm imaginação fértil são mais insatisfeitas e tristes 55

Como escreve Debord: "Em relação ao homem que age, a exteriordade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte". 59

você largaria sua vida agora para se acoplar para sempre a uma máquina que reproduziria todos os prazeres possíveis? Você não precisaria percorrer nenhum caminho para chegar a esses prazeres, e também não sentiria nenhum tipo de desprazer. (...) durante todo o tempo, você estaria flutuando em um tanque com eletrodos ligados ao seu cérebro, desfrutando uma ininterrupta sucessão de gozo. E então? Você trocaria? Esse exercício mental foi proposto pelo filósofo americano Robert Nozick 75

(...)a palavra "educação" vem do latim educare, que significa "guiar para fora". 91
Qual seria a palavra para educar para dentro? Observação minha. 

"'O amor deixa você infeliz', nossa mãe dizia" (...) Lúcia Berlin, em (Manual da faxineira) 93

nós, humanos, conhecemos o mundo que é cognoscível para humanos. A vida é atravessada por um mistério que não é compreendido: é um mistério a ser vivido. 94

Experimentemos cultivar a postura de estar aberto para o que acontece. É algo próximo ao que pregavam os filósofos estoicos, na Grécia Antiga. Em vez de simplesmente aceitar o que acontece eu, eles aconselharam a realmente apreciar o que aconteceu - seja lá o que for. É uma proposta que lembra o amor fati de Nietzsche: amor ao fado, amor ao destino. Amor à vida que é, e não à vida que, na nossa cabeça, deveria ser. 96

Que pretensão a nossa achar que somos capazes de carregar o mundo nas costas enquanto mal enxergamos onde pisamos. 99

Na ânsia de não sermos importunados pela força viva da existência, nós nos retiramos do mundo; no confinamento do medo da morte, perdemos à aderência ao vivo. 109